domingo, 19 de maio de 2013

Sujeito Racional e Sujeito Moral: Introdução ao estudo de Ética (2º ANO)

Texto: Francine Ribeiro
Imagens e vídeo selecionados por Rafael Cavalcanti

Estamos cansados de ouvir e repetir que ‘o ser humano é um animal racional’. Mas o que exatamente isso significa? O que entendemos por ser racional? Em que medida ser racional pode ser considerado como uma propriedade distintiva do ser humano em relação aos outros animais?

Justamente o fato de fazermos esses questionamentos já nos coloca numa posição bastante diferenciada perante os demais animais. Se fazemos tais perguntas isso revela que somos seres conscientes de nossa existência e, mais do que isso, conscientes de uma série de implicações que decorrem do fato de existirmos. Por exemplo, conscientes de que nossas ações podem e, na maioria das vezes, de fato, interferem na vida das outras pessoas com as quais compartilhamos o Planeta Terra. Como seres racionais nós estabelecemos com o mundo e com os demais seres com os quais vivemos relações de tipos diferentes: cognitiva (nós buscamos conhecimento: fazemos ciência, filosofia, dominamos técnicas, criamos explicações para fenômenos naturais e humanos), criativa (artística - fazemos música, poesia, filmes-, lúdica - brincamos, jogamos, fazemos piadas;) e também valorativa (atribuímos valores as coisas que nos cercam: beleza/feiúra, certo/errado, bom/mau, gostoso/ruim).

A Filosofia, enquanto uma disciplina ou área de conhecimento humano, dedica-se em grande parte a estudar essas relações que nós, seres humanos, estabelecemos como o mundo e com os demais seres que habitam o mundo. Os filósofos costumam formular questões como aquelas apresentadas no primeiro parágrafo desse texto e muitas outras como: Será que nós podemos ter conhecimento sobre o mundo? Como nós conhecemos? O que é a verdade? O que é o belo? O que é justiça? O que significa ser livre? O que entendemos por liberdade? De acordo com o aspecto da vida humana que é observado e questionado temos áreas diferentes da filosofia como Estética, Filosofia da Ciência, Teoria do Conhecimento ou Epistemologia, Política e Ética e outras tantas às quais os filósofos se dedicam.





Quando falamos de moral e de ética nós estamos no campo das ações humanas e de tudo que diz respeito a elas. E por que só as ações humanas pertencem à discussão relativa à ética e moral? O pressuposto que nos leva a essa equação é simples: uma ação pode ser avaliada do ponto de vista moral quando o sujeito ou agente age de maneira (i) consciente e (ii) livre.

Mas, o que vem a ser Moral e Ética? Certamente você já encontrou essas palavras e outras da mesma família como imoral ou antiético no seu dia a dia. Certamente também você já enfrentou algum tipo de dilema moral. Quer ver alguns exemplos de dilemas morais?:

I) Alguns alunos da escola resolvem quebrar um hidrante no corredor. Você não tomou parte da ação, mas todos os seus amigos estavam lá. Você presenciou a cena. Alguém viu você saindo do lugar e o aponta como responsável pela ação. Quando interrogado pela direção, você diz que não fez nada e então, a direção pergunta quem foi, uma vez que você estava lá. O que você faz?

II) Você presencia um acidente. Um motorista atropela um ciclista. Você vê que o motorista estava errado, afinal ele estava na contramão. Quando se aproxima da cena, você descobre que o motorista é o pai do seu melhor amigo. Como testemunha do acidente, você dirá que o pai do seu melhor amigo estava errado?

               Quando estamos em situações como essas descritas acima, nós nos perguntamos qual a coisa certa a fazer. Esse questionamento nos coloca no campo da moral. Nessas situações há valores e princípios que são avaliados a fim de decidir como agir. Pensamos em como a maioria das pessoas agiriam se estivessem naquela situação, nos perguntamos por que deveríamos agir como a maioria ou se há motivos para tomar uma decisão diferente. É comum nessas situações nos perguntarmos se, ao escolher fazer X ou Y, se estaremos sendo justos ou injustos. Normalmente nossas ações refletem costumes e hábitos próprios de um grupo ou sociedade e que são aceitos pelos integrantes desse grupo ou sociedade, como um padrão a ser seguido.





               Você pode estar se perguntando agora se ética é a mesma coisa que moral. E se você desconfia que, embora elas tenham fortes relações, elas não sejam a mesma coisa, deve estar curioso para saber qual a diferença entre elas. De uma maneira simples e introdutória, podemos dizer que enquanto a moral pode ser definida como conjunto de normas que orientam o comportamento humano, a ética diz respeito, mais especificamente, a uma reflexão filosófica acerca daquelas normas morais. A ética num sentido mais especializado e restrito investiga o que é a moral, como ela se fundamenta e se aplica e, portanto, ela estuda os diversos sistemas morais que possam existir. 






Senso comum, atitude filosófica e consciência crítica (3º ANO)

Texto: Francine Ribeiro
Imagens selecionadas por Rafael Cavalcanti

É comum ouvirmos por aí que para a Filosofia as perguntas são mais importantes do que as respostas. Mas o que isso significa na prática? Engana-se quem pensa que os filósofos não buscam respostas ou não estariam interessados em responder as perguntas que formulam. Seria muito estranho se fosse essa a situação. As perguntas se tornam essenciais justamente na medida em que elas nos colocam no caminho das respostas. Sem dúvida, estranhamento e perguntas, não há motivos para buscar respostas. Não há motivos para investigar, para pensar, para descobrir. Por outro lado, cada passo que damos em direção ao novo, ao conhecimento, às respostas, outra tantas perguntas, dúvidas e espantos certamente surgirão. E é isso que interessa para a filosofia: ampliar horizontes, nos desvelar novas paisagens e mundos.



A atitude filosófica é assim marcada por uma maneira de estar e viver o mundo que se opõem à maneira que o senso comum está e vivencia o mundo. Por senso comum entende-se as opiniões ou explicações que fazem parte do nosso cotidiano e permeiam nossas conversas diárias, que são transmitidas de boca em boca e através de gerações. Essas opiniões quando transmitidas via jornais, revistas, televisão e internet podem ganhar o status de verdades absolutas, sendo naturalizadas, uma vez que são amplamente aceitas por diversos segmentos da sociedade. Exemplos de opiniões de senso comum podem ser encontrados em ditos populares como “Deus ajuda quem cedo madruga”, “querer é poder”, “filho de peixe, peixinho é” ou ainda “Agosto é o mês do cachorro louco” e “Vitamina C é boa contra resfriado”. Tais opiniões repetidas de maneira não reflexiva podem esconder idéias falsas, parciais ou mesmo preconceituosas. Mas também podem revelar profunda reflexão sobre a vida, o que chamamos de sabedoria popular, ou ainda, verdades científicas popularizadas. No entanto, o que marca o senso comum é a falta de fundamentação para os juízos expressos de maneira irrefletida pela maioria das pessoas ao longo da vida. Ou seja, é a falta do porquê das ideias expressas nas opiniões de senso comum. Ou ainda, é marca do senso comum a falta de exame crítico do conhecimento que se expressa ou repete de maneira automática.

Em contrapartida, a atitude filosófica pode ser descrita como a busca de justificação das nossas opiniões e ideias sobre os mais diversos assuntos. Por isso mesmo a indagação, o questionamento, é a marca registrada da atitude filosófica. Também é comum ouvirmos que a filosofia seria a ciência ou arte dos porquês, essa ideia de senso comum a respeito da filosofia nos remete a busca por fundamentação que, como dissemos, é o que falta ao conhecimento de senso comum.

Ainda que o aluno de Ensino Médio não tenha nenhum interesse em tornar-se filósofo, a atitude filosófica, indagadora e reflexiva, pode ser de grande utilidade ao longo de sua vida, em situações que exijam uma análise mais detalhada sobre determinada opinião ou conhecimento que lhe é apresentado. Mas para desenvolver essa atitude filosófica é preciso antes reaprender a nos espantar com o mundo que nos cerca. Digo reaprender, porque quando crianças o espanto diante do mundo era uma atitude natural e por isso ouvimos tantas perguntas dos pequenos: O que é isso? De onde veio? Como funciona? Por que é assim?. E são essas perguntas que nos permitem familiarizarmo-nos com o mundo que antes nos era estranho. No entanto, é esse sentimento de familiaridade que acompanha nossa vida adulta que precisa ser superado se queremos avançar do senso comum para a atitude filosófica e, desse modo, caminhar em direção a uma consciência crítica do mundo. Essa consciência crítica exige de nós constante avaliação e exame das opiniões e ideias que adquirimos do senso comum em busca não da aparência de conhecimento, mas do conhecimento verdadeiro.






É importante notar que a palavra conhecimento pode ter sentidos distintos. Nós dizemos ‘conhecer o fulano’ ou ‘conhecer tal lugar’, ou ‘ter conhecimento do que disse o beltrano’ quando apenas temos consciência ou percepção do tal fulano ou de tal lugar. Dizemos que é um sentido amplo, lato sensu, da palavra conhecimento. Mas a filosofia, assim como a ciência, busca o conhecimento stricto sensu, um tipo de conhecimento comprometido com a verdade e com explicações de fenômenos naturais e humanos de maneira racional.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Introdução à Lógica - Parte 3


Parte 3
Agora podemos retomar àquela pergunta inicial, “O que é lógica?”, e tentar formular uma resposta para ela. Se, primeiramente, fomos tentados a dizer que a lógica trata de raciocínios e processos inferenciais, devemos repensar nossa resposta. Pois, os raciocínios ou processos inferenciais são coisas que acontecem no nosso cérebro e para os quais não temos uma explicação. Ou melhor, não é a lógica que se ocupa de explicar como eles acontecem. A lógica está interessada no que chamamos de segunda parte da resolução do problema, nas justificativas, ou ainda, nos argumentos. Através dos raciocínios nós manipulamos dados ou informações disponíveis a fim de ampliar nosso conhecimento sobre determinado assunto. No entanto, esse conhecimento novo que alcançamos deverá ser devidamente justificado, se queremos convencer alguém de sua verdade. Não podemos compartilhar com o outro o raciocínio por meio do qual chegamos a determinada conclusão, mas podemos reconstruir esse raciocínio por meio de argumentos, apresentando boas razões para que aquela conclusão seja aceita. Essas boas razões, no caso da história das três princesas, foram retiradas dos próprios dados do problema. Os argumentos pretendem mostrar que há boas razões para se aceitar que Griselda usava brincos de esmeralda a partir das informações contidas no enunciado do problema.
Para melhor ilustrar o que estou tentando explicar, leia com atenção o fragmento abaixo:
Sherlock Holmes é um bom exemplo de pessoa com soberbos poderes de raciocínio. Sua habilidade ao inferir e chegar a conclusões é notável. Não obstante, a sua habilidade não depende da utilização de um conjunto de regras que norteiam o seu pensamento. Holmes é muito mais capaz de fazer inferências do que o seu amigo Watson. Holmes está disposto a transmitir seus métodos ao amigo, e Watson é um homem inteligente. Infelizmente, contudo, não há regras que Holmes possa transmitir a Watson capacitando-o a realizar os mesmos feitos do detetive. As habilidades de Holmes defluem de fatores como a sua aguda curiosidade, a sua grande inteligência, a sua fértil imaginação, seus poderes de percepção, a grande massa de informações acumuladas e a sua extrema sagacidade. Nenhum conjunto de regras pode substituir essas capacidades.
Se existissem regras para inferir, elas seriam regras para descobrir. Na realidade, o pensamento efetivo exige um constante jogo de imaginação e de pensamento. Prender-se a regras rígidas ou a métodos bem delineados equivale a bloquear o pensamento. As ideias mais frutíferas são, com frequência, justamente aquelas que as regras seriam incapazes de sugerir. É claro que as pessoas podem melhorar as suas capacidades de raciocínio pela educação, através da prática, mediante um treinamento intensivo; isso tudo, porém, está longe de ser equivalente à adoção de um conjunto de regras de pensamento. Seja como for, ao discutirmos as específicas regras da lógica, se fossem aceitas como orientadoras dos modos de pensar, transformar-se-iam numa verdadeira camisa de força.
O que acabamos de dizer pode causar certo desapontamento. Frisamos de modo enfático, o lado negativo, esclarecendo aquilo que a lógica não pode fazer. Mas, então, para que serve a Lógica? A Lógica oferece-nos métodos de crítica para avaliação coerente das inferências. É nesse sentido, talvez, que a lógica está qualificada para dizer-nos de que modo deveríamos pensar. Completada uma inferência, é possível transformá-la em argumento, e a Lógica pode ser utilizada a fim de determinar se o argumento é correto ou não. A Lógica não nos ensina como inferir: indica-nos, porém, que inferências podemos aceitar. Procede ilogicamente a pessoa que aceita inferências incorretas.
Para poder apreciar o valor dos métodos lógicos, é preciso ter esperanças realistas quanto ao seu uso. Quem espera que um martelo possa efetuar o trabalho de uma chave de fenda está fadado a sofrer grandes desilusões; quem sabe servir-se de um martelo conhece sua utilidade. A lógica interessa-se pela justificação, não pela descoberta. A lógica fornece métodos para a análise do discurso, e essa análise é indispensável para exprimir de modo inteligível o pensamento e para a boa compreensão daquilo que se comunica e se aprende”. (SALMON, Wesley C. Lógica, Rio de Janeiro:Guanabara/Koogan, 1987, p.28-29).

É verdade que não é sempre que precisamos justificar nossas afirmações, mas há situações em que isso é necessário. E para termos êxito quando isso for o caso, devemos saber reconhecer quais os tipos válidos de argumentos. Ah, você já estava pensando que qualquer sequência de sentenças poderia ser aceita como um bom argumento? Pois se enganou!
Veja um exemplo de um pretenso argumento, mas que na verdade não dá conta do recado.
P1- Se eu dirijo bêbado, posso causar um acidente
P2-Eu não dirijo bêbado,
Então, não causarei acidente.
Analise as premissas (P1 e P2) e a conclusão (não causarei acidente). É possível que as premissas sejam verdadeiras e ainda assim a conclusão seja falsa, pois eu posso muito bem causar um acidente não estando bêbado, mas porque me distraí com o celular ou cochilei ao volante. Portanto, esse é um exemplo de argumento inválido.
Você pode estar se perguntando agora que coisas são essas que eu chamei de premissas e conclusão e que história é essa de argumento inválido. Sendo assim, antes de prosseguir, voltemos um pouco nossa atenção para uma definição simples de argumento e de seus componentes.
Argumento: uma sequência de sentenças ou proposições na qual uma das sentenças é chamada conclusão e pretende-se estabelecê-la como verdadeira ou queremos que alguém aceite tal sentença como verdadeira e as demais são chamadas premissas e são apresentadas como razões ou justificativas para garantir a verdade da conclusão, ou ainda, para convencer o outro da verdade da conclusão.
Sentença: sequência de palavras (numa determinada língua, no nosso caso em português) que contenha ao menos um verbo flexionado e alguns sinais de pontuação (no caso da sentença escrita).
Corretamente você deve estar pensando: Bom, existem vários tipos de sentenças: interrogativas (Que horas são?), imperativas (Abra a porta!), exclamativas (O céu está lindo!) e declarativas (O ferro é um tipo de metal.).  Será que a lógica está interessada em todos esses tipos de sentenças da mesma maneira? A resposta é não. A lógica apenas está interessada nas sentenças declarativas. As sentenças declarativas são aquelas que têm pretensão de verdade, ou seja, que podem ser verdadeiras ou falsas, uma vez que elas pretendem descrever a realidade. Uma sentença declarativa pode ser afirmativa (O ferro é um tipo de metal) ou negativa (O correio não funciona aos fins de semana).
Alguns autores costumam afirmar que, de fato, o que podemos chamar verdadeiro ou falso, não são as sentenças, mas as proposições ou enunciados contidos nas sentenças (‘Preta rasgou o sofá’ e ‘O sofá foi rasgado por Preta’, sendo que Preta é a minha gata, são duas sentenças distintas, cujo conteúdo ou enunciado é o mesmo).  No entanto, para não complicar muito essa nossa introdução, usaremos sentenças e proposições como sinônimas.
Como você deve ter observado, nós podemos dizer que as premissas e a conclusão de um argumento serão verdadeiras ou falsas. E, na maior parte dos casos, se queremos saber se uma sentença é verdadeira ou falsa nós recorremos às evidências empíricas, ou seja, observamos os estados de coisas que elas descrevem e podemos nos certificar se elas estão de acordo com os estados de coisas no mundo ou não. No entanto, os argumentos em si não são verdadeiros ou falsos, mas dizemos que eles são válidos ou inválidos.
Agora você deve estar se perguntando: Mas o que faz um argumento válido ou inválido?
Antes de responder essa questão, vou dizer que, assim como existem diversos tipos de sentenças, também existem tipos diferentes de argumentos. Vejamos, para início de conversa, dois importantes tipos de argumentos.

Argumento dedutivo:
P1 Todo gato faz miau
P2 Preta é uma gata
C Logo: Preta faz miau

 
  Argumento indutivo:
 P1 Preta é uma gata e faz miau;
P2  Otávio é um gato e faz miau;
P3  Preto é um gato e faz miau;
 C  Logo: todo gato faz miau

Uma maneira, talvez ainda insatisfatória, de definir esses argumentos seria dizer que os argumentos indutivos são tais que a conclusão diz mais do que as premissas, ou ainda, que num argumento indutivo nós partimos de premissas particulares (Preta é uma gata e faz miau; Otávio é um gato e faz miau) em direção a uma conclusão universal ou geral (Todo gato faz miau), enquanto que num argumento dedutivo aquilo que é afirmado na conclusão já está, de alguma forma, contido nas premissas, de tal forma que ela seria uma conseqüência lógica das premissas. Além disso, num argumento dedutivo, pelo menos uma das premissas deve ser universal.
Agora que você já sabe que existem esses dois tipos de argumentos, voltemos à questão da validade do argumento. Há dois tipos de validade: validade dedutiva e validade não dedutiva. Nossa atenção se concentrará na validade dedutiva. Dizemos que um argumento dedutivo é válido quando sendo verdadeiras suas premissas, sua conclusão será necessariamente verdadeira.
Dito de outra maneira, no caso de um argumento dedutivo válido, se suas premissas são verdadeiras não é possível que sua conclusão seja falsa. É importante notar nessa construção o uso do “se”, pois não é necessário que as premissas sejam verdadeiras de fato, mas que se elas forem verdadeiras, também a conclusão seja verdadeira.
A noção de validade é importante porque dizemos que ela preserva a verdade das premissas. Ou seja, sendo verdadeiras as premissas, não é possível que se siga delas algo falso. Note também que, com essa definição de validade, estamos excluindo apenas a possibilidade de que um argumento tenha premissas verdadeiras e uma conclusão falsa. Mas é possível encontramos um argumento válido cujas premissas e conclusão sejam falsas ou que uma premissa seja falsa e a conclusão verdadeira.

Se chove, o carteiro se atrasa
O carteiro está atrasado,
Logo, está chovendo.               (argumento inválido)


Todo curso de Ciência da Computação tem Lógica no seu currículo, Pedro passou num curso de Ciência da Computação, então, Pedro irá estudar lógica.  (argumento válido)

 
Observe atentamente os exemplos abaixo.

Todo gato é mamífero
Lulu é um mamífero
Logo, Lulu é um gato          (argumento inválido)



Todo homem é pedra
João é um homem____
Logo, João é uma pedra     (argumento válido)



 Toda modelo brasileira de sucesso internacional é gaúcha
Érika é gaúcha,__________________________________
Logo, Érika é uma modelo brasileira de sucesso internacional.    (argumento inválido)

Todo extra-terrestre gosta de pizza.
Pi é um extra terrestre,__________
Logo, Pi gosta de pizza.                            (argumento válido)

Introdução à Lógica - Partes 1 e 2

Parte 1
Material escrito por Profª. Francine Ribeiro

O que é lógica? Essa provavelmente será a primeira pergunta dos alunos ao serem apresentados a esse tópico em sala de aula. Muitos pensarão imediatamente nas aulas de matemática, lembrando-se das vezes que o professor falou da importância de desenvolver o raciocínio lógico. Mas o que era mesmo raciocínio lógico?

Raciocínio: esse será o nosso ponto de partida. Mesmo sem nunca antes ter parado para pensar sobre isso, posso lhe garantir que sua vida até hoje esteve recheada de raciocínios ou processos de inferências. Você não precisa ser Sherlock Holmes ou Hercule Poirot[1] para chegar a conclusões interessantes por meio de raciocínios. Duvida? Que tal começar com um exercício com cara de conto de fadas:

“Há não muito tempo atrás, num país distante, havia um velho rei que tinha três filhas, inteligentíssimas e de indescritível beleza, chamadas Guilhermina, Genoveva e Griselda.
Sentindo-se perto de partir dessa para a melhor, e sem saber qual das filhas designar como sua sucessora, o velho rei resolveu submetê-las a um teste.
A vencedora não apenas seria a nova soberana, como ainda receberia a senha da conta secreta do rei (num banco suíço), além de um fim de semana na Disneylândia.
Chamando as filhas à sua presença, o rei mostrou-lhe cinco pares de brincos, idênticos em tudo com exceção das pedras neles engastadas: três eram de esmeralda, dois de rubi.
O rei vendou então os olhos das moças e, escolhendo, ao acaso, colocou em cada uma elas um par de brincos.


O teste consistia no seguinte: aquela que pudesse dizer, sem sombra de dúvida, qual tipo de pedra que havia em seus brincos herdaria o reino (e a conta na Suíça etc).

A primeira que desejou tentar foi Guilhermina, de quem foi removida a venda dos olhos.
Guilhermina examinou os brincos de suas irmãs, mas não foi capaz de dizer que tipo de pedra estava nos seus (e retirou-se furiosa).
A segunda que desejou tentar foi Genoveva. Contudo, após examinar os brincos de Griselda, Genoveva se deu por conta de que também não sabia determinar se seus brincos eram de esmeralda ou de rubi e, da mesma forma furiosa que sua irmã, saiu batendo a porta.
Quanto a Griselda, antes mesmo que o rei tirasse-lhe a venda dos olhos, anunciou corretamente, em alto e bom som, o tipo de pedra de seus brincos dizendo ainda o porquê de sua afirmação.
Assim, ela herdou o reino, a conta na Suíça e, na viagem à Disneylândia, conheceu um jovem cirurgião plástico, com quem se casou e foi feliz para sempre”[2].
Vejamos se você consegue resolver esse problema:
Qual era a pedra dos brincos de Griselda? Como Griselda descobriu isso?

Parte 2

Bom, a primeira parte do exercício é o que propriamente chamaremos raciocínio. Você terá caminhos distintos para chegar a resposta correta. É importante observar que não há apenas uma única via de raciocínio, para qualquer problema que se tenha diante de si. Será que você pensou em algo parecido com o caminho que irei indicar a seguir?

Dado 1
São três filhas
Dado 2
São 5 pares de brincos: 3 de esmeraldas e 2 de rubis


(De 1 e 2)
Guilhermina
Genoveva
Griselda
C1
Esmeralda
Esmeralda
esmeralda
C2
Esmeralda
Esmeralda
Rubi
C3
esmeralda
Rubi
Rubi
C4
esmeralda
Rubi
esmeralda
C5
rubi
Rubi
esmeralda
C6
rubi
Esmeralda
esmeralda
C7
rubi
Esmeralda
Rubi

Depois de organizar as informações disponíveis e distribuir as possíveis combinações de filhas e brincos, você pode ter formulado a seguinte questão?
1-    Qual seria a única chance de Guilhermina, a primeira filha, ao tirar a venda dos olhos, poder dizer com certeza qual tipo de pedra tinha nos brincos?
E você então observa que a única chance de Guilhermina ser a vencedora está em C3; Uma vez que no enunciado afirma-se que ela não foi capaz de dizer de que tipo era a pedra de seus brincos, sabemos que C3 não era o caso e podemos eliminá-lo;

(De 1 e 2)
Guilhermina
Genoveva
Griselda
C1
esmeralda
Esmeralda
Esmeralda
C2
esmeralda
Esmeralda
Rubi
C3
esmeralda
Rubi
Rubi
C4
esmeralda
Rubi
Esmeralda
C5
Rubi
Rubi
Esmeralda
C6
Rubi
Esmeralda
Esmeralda
C7
Rubi
Esmeralda
Rubi

2-    Continuamos nosso raciocínio: a próxima filha a tirar a venda dos olhos é Genoveva. Devemos repetir a questão anterior: Qual seria a única chance de Genoveva, a segunda filha, ao tirar a venda dos olhos, poder dizer com certeza qual tipo de pedra tinha nos brincos?
Ao observar o quadro acima você responderá que em C2 e em C7 estão expostas as chances de Genoveva saber qual era a pedra de seu brinco, pois era necessário que Griselda estivesse usando um Rubi. Mas, como já sabemos, ela não foi capaz de afirmar com certeza qual pedra usava. Sendo assim, podemos também eliminar C2 e C7.

(De 1 e 2)
Guilhermina
Genoveva
Griselda
C1
Esmeralda
Esmeralda
Esmeralda
C2
Esmeralda
Esmeralda
Rubi
C3
Esmeralda
Rubi
Rubi
C4
esmeralda
Rubi
Esmeralda
C5
Rubi
Rubi
Esmeralda
C6
Rubi
Esmeralda
Esmeralda
C7
Rubi
Esmeralda
Rubi

O que nos deixa com a resposta de que os brincos de Griselda eram de esmeralda.
Vejamos agora a segunda parte do exercício. Como Griselda justificou para o pai a sua resposta.
(De 1 e 2)
Guilhermina
Genoveva
Griselda
C1
esmeralda
esmeralda
Esmeralda
C2
esmeralda
esmeralda
Rubi
eliminado por b
C3
esmeralda
Rubi
Rubi
eleminado por a
C4
esmeralda
Rubi
Esmeralda
C5
Rubi
Rubi
Esmeralda
C6
Rubi
esmeralda
Esmeralda
C7
Rubi
esmeralda
Rubi
elimnado por b
a- Se Guilhermina, ao tirar a venda tivesse visto que eu e Genoveva usávamos, ambas, brincos de Rubi,
ela saberia que o seu brinco necessariamente seria de esmeralda.
Guilhermina não soube dizer com certeza qual era o seu brinco,
logo, Genoveva e eu não estávamos ambas usando rubi
b-Se Genoveva e eu não usávamos ambas Rubi, Guilhermina deve ter visto que ambas usávamos esmeralda
 ou uma de nós usava Rubi e a outra esmeralda;
Se Genoveva ao tirar a venda tivesse visto que eu estava usando brincos de Rubi, ela poderia afirmar
com certeza que o seu brinco era de esmeralda;
Genoveva não pode dizer com certeza qual era o seu brinco,
logo, eu não estava usando brincos de Rubi
c- Sendo assim, só posso dizer que estou usando brincos de esmeralda.

O que temos acima não é um raciocínio ou um processo mental, mas uma tentativa de reconstrução racional daquele processo, construído a partir de uma série de frases ou sentenças que são dadas como razões ou justificativas para que a conclusão a que chegamos seja aceita. Ao falar de justificativas entramos no campo dos argumentos. Certamente, os argumentos acima poderiam ter sido formulados por Griselda a partir do que se sucedeu com as tentativas de suas irmãs de descobrirem qual era a pedra dos brincos que usavam. Não bastava dizer ao pai: ‘os meus brincos são de esmeralda’. O rei queria saber por que ela afirmava que seus brincos eram de esmeralda. E a justificativa de Griselda poderia ter sido formulada como apresentamos acima.

Desafio extra:
1- Carla, Selma e Mara estão sentadas lado a lado em um teatro. Carla fala sempre a verdade; Selma às vezes fala a verdade; e Mara nunca fala a verdade. A que está sentada à esquerda diz: "Carla é quem está sentada no meio." A que está sentada no meio diz: "Eu sou a Selma". Finalmente, a que está sentada a direita diz: "A Mara é quem está sentada no meio." Qual a posição de cada uma delas?



[1] Sherlock Homes, famoso detetive e personagem criado por Sir Arthur Conan Doile; Hercule Poirot, detetive criado por Agatha Christie e personagem principal de vários de seus livros.
[2]Exemplo retirado de Mortari, C. A., Introdução à lógica, 6ª ed, São Paulo:editora Unesp, 2001, p.2-3.