Parte 3
Agora podemos retomar àquela
pergunta inicial, “O que é lógica?”, e
tentar formular uma resposta para ela. Se, primeiramente, fomos tentados a
dizer que a lógica trata de raciocínios e processos inferenciais, devemos
repensar nossa resposta. Pois, os raciocínios ou processos inferenciais são
coisas que acontecem no nosso cérebro e para os quais não temos uma explicação.
Ou melhor, não é a lógica que se ocupa de explicar como eles acontecem. A lógica está interessada no que chamamos de
segunda parte da resolução do problema, nas
justificativas, ou ainda, nos argumentos.
Através dos raciocínios nós manipulamos dados ou informações disponíveis a fim
de ampliar nosso conhecimento sobre
determinado assunto. No entanto, esse conhecimento novo que alcançamos deverá
ser devidamente justificado, se queremos convencer alguém de sua verdade. Não
podemos compartilhar com o outro o
raciocínio por meio do qual chegamos a determinada conclusão, mas podemos reconstruir esse raciocínio por meio de
argumentos, apresentando boas razões para que aquela conclusão seja aceita.
Essas boas razões, no caso da
história das três princesas, foram retiradas dos próprios dados do problema. Os
argumentos pretendem mostrar que há boas razões para se aceitar que Griselda
usava brincos de esmeralda a partir das informações contidas no enunciado do
problema.
Para melhor ilustrar o que estou
tentando explicar, leia com atenção o fragmento abaixo:
“Sherlock Holmes é um
bom exemplo de pessoa com soberbos poderes de raciocínio. Sua habilidade ao
inferir e chegar a conclusões é notável. Não obstante, a sua habilidade não
depende da utilização de um conjunto de regras que norteiam o seu pensamento.
Holmes é muito mais capaz de fazer inferências do que o seu amigo Watson.
Holmes está disposto a transmitir seus métodos ao amigo, e Watson é um homem
inteligente. Infelizmente, contudo, não há regras que Holmes possa transmitir a
Watson capacitando-o a realizar os mesmos feitos do detetive. As habilidades de
Holmes defluem de fatores como a sua aguda curiosidade, a sua grande
inteligência, a sua fértil imaginação, seus poderes de percepção, a grande
massa de informações acumuladas e a sua extrema sagacidade. Nenhum conjunto de
regras pode substituir essas capacidades.
Se
existissem regras para inferir, elas seriam regras para descobrir. Na
realidade, o pensamento efetivo exige um constante jogo de imaginação e de
pensamento. Prender-se a regras rígidas ou a métodos bem delineados equivale a
bloquear o pensamento. As ideias mais frutíferas são, com frequência,
justamente aquelas que as regras seriam incapazes de sugerir. É claro que as
pessoas podem melhorar as suas capacidades de raciocínio pela educação, através
da prática, mediante um treinamento intensivo; isso tudo, porém, está longe de
ser equivalente à adoção de um conjunto de regras de pensamento. Seja como for,
ao discutirmos as específicas regras da lógica, se fossem aceitas como
orientadoras dos modos de pensar, transformar-se-iam numa verdadeira camisa de
força.
O
que acabamos de dizer pode causar certo desapontamento. Frisamos de modo
enfático, o lado negativo, esclarecendo aquilo que a lógica não pode fazer.
Mas, então, para que serve a Lógica? A Lógica oferece-nos métodos de crítica
para avaliação coerente das inferências. É nesse sentido, talvez, que a lógica
está qualificada para dizer-nos de que modo deveríamos pensar. Completada uma
inferência, é possível transformá-la em argumento, e a Lógica pode ser
utilizada a fim de determinar se o argumento é correto ou não. A Lógica não nos
ensina como inferir: indica-nos, porém, que inferências podemos aceitar.
Procede ilogicamente a pessoa que aceita inferências incorretas.
Para
poder apreciar o valor dos métodos lógicos, é preciso ter esperanças realistas
quanto ao seu uso. Quem espera que um martelo possa efetuar o trabalho de uma
chave de fenda está fadado a sofrer grandes desilusões; quem sabe servir-se de
um martelo conhece sua utilidade. A lógica interessa-se pela justificação, não
pela descoberta. A lógica fornece métodos para a análise do discurso, e essa
análise é indispensável para exprimir de modo inteligível o pensamento e para a
boa compreensão daquilo que se comunica e se aprende”. (SALMON,
Wesley C. Lógica, Rio de Janeiro:Guanabara/Koogan,
1987, p.28-29).
É verdade que não
é sempre que precisamos justificar nossas
afirmações, mas há situações em que isso é necessário. E para termos êxito
quando isso for o caso, devemos saber reconhecer quais os tipos válidos de argumentos. Ah, você já
estava pensando que qualquer sequência de sentenças poderia ser aceita como um
bom argumento? Pois se enganou!
Veja um exemplo de um pretenso
argumento, mas que na verdade não dá conta do recado.
P1- Se eu dirijo
bêbado, posso causar um acidente
P2-Eu não dirijo
bêbado,
Então, não causarei acidente.
Analise as premissas (P1 e P2) e a conclusão (não causarei acidente). É possível que as premissas
sejam verdadeiras e ainda assim a conclusão seja falsa, pois eu posso muito bem
causar um acidente não estando bêbado, mas porque me distraí com o celular ou
cochilei ao volante. Portanto, esse é um exemplo de argumento inválido.
Você pode estar se perguntando
agora que coisas são essas que eu chamei de premissas
e conclusão e que história é essa
de argumento inválido. Sendo assim,
antes de prosseguir, voltemos um pouco nossa atenção para uma definição simples
de argumento e de seus componentes.
Argumento: uma sequência de sentenças ou proposições na qual uma
das sentenças é chamada conclusão e
pretende-se estabelecê-la como verdadeira ou queremos que alguém aceite tal
sentença como verdadeira e as demais
são chamadas premissas e são apresentadas como razões ou justificativas para garantir a verdade da conclusão, ou ainda, para
convencer o outro da verdade da
conclusão.
Sentença: sequência de palavras (numa determinada língua, no nosso
caso em português) que contenha ao
menos um verbo flexionado e alguns sinais de pontuação (no caso da sentença
escrita).
Corretamente você deve estar
pensando: Bom, existem vários tipos de sentenças: interrogativas (Que horas
são?), imperativas (Abra a porta!), exclamativas (O céu está lindo!) e
declarativas (O ferro é um tipo de metal.). Será que a lógica está interessada em todos
esses tipos de sentenças da mesma maneira? A resposta é não. A lógica apenas
está interessada nas sentenças
declarativas. As sentenças declarativas são aquelas que têm pretensão de verdade, ou seja, que podem
ser verdadeiras ou falsas, uma vez que elas pretendem
descrever a realidade. Uma sentença declarativa pode ser afirmativa (O ferro é um tipo de metal)
ou negativa (O correio não funciona aos
fins de semana).
Alguns autores costumam afirmar
que, de fato, o que podemos chamar verdadeiro
ou falso, não são as sentenças, mas as proposições ou enunciados
contidos nas sentenças (‘Preta rasgou o sofá’ e ‘O sofá foi rasgado por
Preta’, sendo que Preta é a minha gata, são duas sentenças distintas, cujo conteúdo ou enunciado é o mesmo). No
entanto, para não complicar muito essa nossa introdução, usaremos sentenças e proposições como sinônimas.
Como você deve ter observado, nós
podemos dizer que as premissas e a conclusão de um argumento serão verdadeiras ou falsas. E, na maior parte dos casos, se queremos saber se uma sentença é verdadeira ou falsa nós
recorremos às evidências empíricas, ou seja, observamos os estados de coisas
que elas descrevem e podemos nos certificar se elas estão de acordo com os
estados de coisas no mundo ou não. No entanto, os argumentos em si não são
verdadeiros ou falsos, mas dizemos que eles são válidos ou inválidos.
Agora você deve estar se
perguntando: Mas o que faz um argumento válido ou inválido?
Antes de responder essa questão,
vou dizer que, assim como existem diversos tipos de sentenças, também existem tipos diferentes de argumentos. Vejamos,
para início de conversa, dois importantes tipos de argumentos.
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P1 Preta é uma gata e faz miau;
P2 Otávio é um gato e faz miau;
P3 Preto é um gato e faz miau;
C Logo: todo gato faz miau
Uma maneira, talvez ainda
insatisfatória, de definir esses argumentos seria dizer que os argumentos indutivos são tais que a
conclusão diz mais do que as
premissas, ou ainda, que num argumento indutivo nós partimos de premissas particulares (Preta é uma gata e faz miau; Otávio é um gato e faz miau) em direção
a uma conclusão universal ou geral (Todo gato faz miau), enquanto que num argumento dedutivo aquilo que é
afirmado na conclusão já está, de alguma forma, contido nas premissas, de tal
forma que ela seria uma conseqüência
lógica das premissas. Além disso, num argumento dedutivo, pelo menos uma
das premissas deve ser universal.
Agora que você já sabe que
existem esses dois tipos de argumentos, voltemos à questão da validade do
argumento. Há dois tipos de validade: validade dedutiva e validade não dedutiva.
Nossa atenção se concentrará na validade
dedutiva. Dizemos que um argumento dedutivo é válido quando sendo
verdadeiras suas premissas, sua conclusão será necessariamente verdadeira.
Dito de outra maneira, no caso de
um argumento dedutivo válido, se suas premissas são verdadeiras não é
possível que sua conclusão
seja falsa. É importante notar nessa construção o uso do “se”, pois não é
necessário que as premissas sejam verdadeiras de fato, mas que se elas forem verdadeiras, também a
conclusão seja verdadeira.
A noção de validade é importante porque dizemos que ela preserva a verdade das premissas. Ou seja, sendo verdadeiras as
premissas, não é possível que se
siga delas algo falso. Note também que, com essa definição de validade, estamos
excluindo apenas a possibilidade de que um argumento tenha premissas verdadeiras e uma conclusão
falsa. Mas é possível encontramos um argumento válido cujas premissas e
conclusão sejam falsas ou que uma premissa seja falsa e a conclusão verdadeira.
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Todo gato é mamífero
Lulu é um mamífero
Logo, Lulu é um gato
(argumento inválido)
Todo homem é pedra
João é um homem____
Logo, João é uma pedra
(argumento válido)
Érika é gaúcha,__________________________________
Logo, Érika é uma modelo brasileira de sucesso internacional. (argumento
inválido)
Todo extra-terrestre gosta de pizza.
Pi é um extra terrestre,__________
Logo, Pi gosta de pizza. (argumento válido)
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