terça-feira, 9 de setembro de 2014

A teoria do conhecimento na Idade Moderna

Da Antigüidade até o início do Renascimento, embora tenham surgido várias teorias a respeito de como se efetua o conhecimento, não há discordância sobre a possibilidade de o homem conhecer o real. Do ponto de vista epistemológico, esta é a posição realista, em que os objetos correspondem plenamente ao conteúdo da percepção.
O Renascimento, entretanto, vai trazer grandes modificações, dentre as quais vale destacar:
• a separação entre fé e razão, que vai levar ao desenvolvimento do método científico para o estudo das ciências naturais;
• o antropocentrismo, que estabelece a razão humana como fundamento do saber;
• o interesse pelo saber ativo, em oposição ao saber contemplativo, que leva à transformação da natureza e ao desenvolvimento das técnicas.
No rastro dessas mudanças, os pensadores do século XVII abordam a temática do conhecimento de modo inteiramente novo, colocando em questão a própria possibilidade do conhecimento. Não se trata mais de saber qual é o objeto conhecido. Deve-se, agora, indagar sobre o sujeito do conhecimento: quais as possibilidades de engano e acerto? quais os métodos que podemos utilizar para garantir que o conhecimento seja verdadeiro?
As respostas a essas indagações dão origem a duas correntes filosóficas diametralmente opostas, a saber, o racionalismo e o empirismo.
O racionalismo
O principal representante do racionalismo no século XVII é o francês René Descartes, que, descontente com os erros e ilusões dos sentidos, procura o fundamento do verdadeiro conhecimento. Assim, estabelece a dúvida como método de pensamento rigoroso. Duvida de tudo que lhe chega através dos sentidos, duvida de todas as idéias que se apresentam como verdadeiras. À medida que duvida, porém, descobre que mantém a capacidade de pensar. Por essa via, estabelece a primeira verdade que não pode ser colocada em dúvida: se duvido, penso, se penso, existo, embora esse existir não seja físico. Existo enquanto ser pensante (sujeito ou consciência) que é capaz de duvidar. Formula esta descoberta em uma frase muito conhecida: Penso, logo existo.
A partir dessa primeira verdade intuída, isto é, concebida "por um espírito puro e atento, tão fácil e distinta, que nenhuma dúvida resta sobre o que compreendemos", Descartes diferencia dois tipos de idéias: algumas claras e distintas, outras confusas e duvidosas. Propõe, então, que as idéias claras e distintas, que são idéias gerais, não derivam do particular, mas já se encontram no espírito, como instrumentos com que Deus nos dotou para fundamentar a apreensão de outras verdades. Essas são as idéias inatas, que não estão sujeitas a erro e que são o fundamento de toda ciência. Para conhecê-las basta que nos voltemos para nós mesmos, através da reflexão.
Dentre as idéias inatas, encontramos as de um Deus Perfeito e Infinito (substância infinita), da substância pensante e da matéria extensa.
O ponto de partida de Descartes é, pois, o pensamento, abstraindo toda e qualquer relação entre este e a realidade. Como passar, porém, do pensamento para a substância extensa, ou seja, a matéria dos corpos?
Exatamente porque pensamos, podemos pensar a idéia de infinito, ou seja, de Deus, com todos os seus atributos, dentre os quais está a perfeição. Ora, para ser perfeito, Deus deve existir. Da idéia de Deus, passamos a poder afirmar sua existência enquanto ser. Continuando o raciocínio, esse ser perfeito não nos engana e, se nos faz ter idéias sobre o mundo exterior, inclusive sobre nossos corpos, é porque criou esse mesmo mundo exterior e sensível. Assim, a partir de uma idéia inata, podemos deduzir a idéia da existência da matéria dos corpos, ou seja, da substância extensa.
Devemos notar, entretanto, que a razão não afeta nem é afetada pelos objetos. A razão só lida com as representações, isto é, com as imagens mentais, idéias ou conceitos que correspondem aos objetos exteriores.
É neste ponto que se coloca, com maior nitidez, a necessidade do método para garantir que a representação corresponda ao objeto representado. O método deve garantir que:
• as coisas sejam representadas corretamente, sem risco de erro;
• haja controle de todas as etapas das operações intelectuais;
• haja possibilidade de serem feitas deduções que levem ao progresso do conhecimento.
Assim, a questão do método de pensamento toma-se crucial para o conhecimento filosófico a partir do século XVII. O modelo é o ideal matemático, não porque lide com números ou grandezas matemáticas, mas porque, fiel ao sentido grego de ta mathema, visa o conhecimento completo, perfeito e inteiramente racional.
O empirismo
Em reação ao racionalismo cartesiano, principalmente à teoria das idéias inatas, John Locke escreve, em 1690, o Ensaio sobre o entendimento humano, no qual defende que todas as idéias têm origem na experiência sensível. É a partir dos dados da experiência que, por abstração, o entendimento, ou intelecto, produz idéias. A razão humana é vista como uma folha em branco sobre a qual os objetos vão deixar sua impressão sensível que será elaborada, através de certos procedimentos mentais, em idéias particulares e idéias gerais.
Entretanto, o mecanismo íntimo do real ultrapassa os limites de toda experiência possível, isto é, podemos observar os fenômenos, mas não suas causas ou suas relações.
Para Locke, todas as nossas idéias provêm de duas fontes: a sensação e a reflexão, A sensação apreende impressões vindas do mundo externo. A reflexão é o ato pelo qual o espírito conhece suas próprias operações.
As idéias podem ser simples e complexas. As idéias simples são aquelas que se impõem à consciência na experiência sensível e são irredutíveis à análise. Ao correlacionar idéias simples, o espírito constitui as idéias complexas.
David Hume, filósofo escocês, leva mais adiante o empirismo de Locke, afirmando que as relações são exteriores aos seus termos. Explicando, as relações não são observáveis, portanto não estão nos objetos. Elas são modos que a natureza humana tem de passar de um termo a outro, de uma idéia particular a outra. E esses modos são fruto do hábito ou da crença.
Por exemplo, tendo observado a água ferver a 100 graus, podemos dizer que toda água sempre ferve a 100 graus. Ou, vendo o sol nascer todos os dias, assumimos que amanhã também nascerá. O que observamos, no entanto, é uma seqüência de eventos, sem nexo causai. O que nos faz ultrapassar o dado e afirmar mais do que pode ser alcançado pela experiência é o hábito criado através da observação de casos semelhantes, a partir do que imaginamos que este caso se comporte da mesma forma que os outros.
Assim, a única base para as idéias ditas gerais é a crença, que, do ponto de vista do entendimento, faz uma extensão ilegítima do conceito.

(texto retirado do livro Temas de Filosofia, de Maria Lucia Aranha e Maria Helena Pires Martins, Ed Moderna: 1992)

Um comentário:

  1. foi um pouco complicado entender este tema de uma certa forma é bem complexo

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