Narciso
Quando
Narciso nasceu, sua mãe, uma ninfa belíssima, consultou o adivinho Tirésias
para saber se aquele filho de extraordinária beleza viveria até o fim de uma
longa velhice. Pareceram sem sentido as suas palavras:
—
Sim, se ele não chegar a se conhecer.
Narciso
cresceu, sempre formoso. Jovem, muitas moças e ninfas queriam o seu amor, mas o
rapaz desprezava a todas.
Um
dia, Narciso caçava na floresta quando a ninfa Eco o viu. Eco, por causa de uma
punição que Hera lhe infligira, só era capaz de usar da voz para repetir os
sons das palavras dos outros. Ao se deparar com a beleza de Narciso, a ninfa se
apaixonou por ele e se pôs a segui-lo. Quando resolveu manifestar o seu amor,
abraçando-o, Narciso a repeliu.
Desprezada
e envergonhada, Eco se escondeu nos bosques com o rosto coberto de folhagens. O
amor não correspondido a foi consumindo pouco a pouco, até que, depois de
reduzida a pele e osso, seu corpo se dissipou nos ares. Restou-lhe, apenas, a
voz e os ossos, que, segundo dizem, tomaram a forma de pedras.
Um
dia, uma das muitas jovens desprezadas por Narciso, erguendo as mãos para o
céu, disse:
—
Que Narciso ame também com a mesma intensidade sem poder possuir a pessoa
amada!
Nêmesis,
a divindade punidora do crime e das más ações, escutou esse pedido e o
satisfez.
Havia
uma fonte límpida, de águas prateadas e cristalinas, de que jamais homem,
animal ou pássaro algum se tinham aproximado. Narciso, cansado pelo esforço da
caça, foi descansar por ali. Ao se inclinar para beber da água da fonte, viu,
de repente, sua imagem refletida na água e encantou-se com a visão.
Fascinado,
quedou imóvel como uma estátua,
contemplando seus próprios olhos, seus cabelos dignos de Dioniso ou Apolo, suas faces
lisas, seu pescoço de marfim, a beleza de seus lábios e o rubor que cobria de
vermelho o rosto de neve. Apaixonou-se por si mesmo, sem saber que aquela
imagem era a sua, refletida no espelho das águas.
Nada
conseguia arrancar Narciso da contemplação, nem fome, nem sede, nem sono.
Várias
vezes lançou os braços dentro da água para tentar inutilmente reter com um
abraço aquele ser encantador. Chegou a derramar lágrimas, que iam turvar a
imagem refletida. Desesperado e quase sem forças, foram estas suas últimas
palavras:
—
Ah!, menino amado por mim inutilmente! Adeus!
O
lugar em que estava fez ecoar o que dissera. E quando proferiu “Adeus!”, Eco
também disse “Adeus!”.
Em
seguida, esgotado, Narciso se deitou sobre a relva, e a Noite veio fechar seus
olhos. Diz-se que, nos Infernos, Narciso continua a contemplar sua imagem
refletida nas águas do rio Estige.
As
ninfas, juntamente com Eco, choraram tristemente pela morte de Narciso. Já preparavam para o seu corpo
uma pira quando notaram que desaparecera. No seu lugar, havia apenas uma flor amarela,
com pétalas brancas no centro.
Quedar (ou quedar-se):
deter-se,
ficar parado.
Dioniso: na mitologia latina, Baco, deus do vinho.
Narciso é outro mito que reaparece constantemente nas
artes. Em Sampa, de Caetano Veloso, há esta passagem, na qual o poeta descreve
a primeira impressão negativa que teve ao ver a cidade de São Paulo:
“Quando eu te encarei
frente a frente,
Não vi o meu rosto,
Chamei de mau gosto
O que vi, de mau
gosto, mau gosto.
É que Narciso acha
feio
O que não é espelho...”
(Vasconcelos, Paulo Sergio, Mitos Gregos, Coleção Objetivo,
Editora Sol, p. 16-18)
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