sexta-feira, 8 de agosto de 2014

GOVERNAR

 Os garotos da rua resolveram brincar de governo, escolheram o presidente e pediram-lhe que governasse para o bem de todos.
- Pois não – aceitou Martim. – Daqui por diante vocês farão meus exercícios escolares e eu assino. Clóvis e mais dois de vocês formarão a minha segurança.
Januário será meu Ministro da Fazenda e pagará o meu lanche.
-Com que dinheiro? – atalhou Januário.
-Cada um de vocês contribuirá com um cruzeiro por dia para a caixinha do governo.
-E que é que nós lucramos com isso? – perguntaram em coro.
-Lucram a certeza de que têm um bom presidente. Eu separo as brigas, distribuo tarefas, trato de igual para igual com os professores. Vocês obedecem, democraticamente.
-Assim não vale. O presidente deve ser nosso servidor, ou pelo menos saber que todos somos iguais a ele. Queremos vantagens.
-Eu sou o presidente e não posso ser igual a vocês, que são presididos. Se exigirem coisas de mim, serão multados e perderão o direito de participar da minha comitiva nas festas. Pensam que ser presidente é moleza? Já estou sentindo como esse cargo é cheio de espinhos.
Foi deposto, e dissolvida a República.


 Carlos Drummond de Andrade. Contos Plausíveis. Rio de Janeiro. Record, 1994.